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Protocolo de Transplante Hepático

HUWC-HSC | Serviço de Anestesiologia

Capacitação para Médicos Residentes

Hospital São Domingos | Departamento de Anestesiologia

Objetivos do Protocolo

Objetivo Principal

Padronizar a abordagem anestésica para transplantes hepáticos no HUWC-HSC, garantindo segurança e eficácia.

Objetivos Específicos

  • Otimizar o manejo perioperatório
  • Reduzir complicações intra e pós-operatórias
  • Uniformizar condutas entre a equipe
  • Melhorar desfechos clínicos

Público-Alvo

Médicos residentes do serviço de anestesiologia do Hospital São Domingos envolvidos no cuidado de pacientes submetidos a transplante hepático.

Epidemiologia do Transplante Hepático

Dados Globais

Fonte: Global Observatory on Donation and Transplantation (2022)

Principais Indicações

Dados Nacionais

Ano Transplantes Lista de Espera Mortalidade
2020 1,850 2,300 8.2%
2021 1,920 2,450 7.8%
2022 2,050 2,600 7.5%

Fonte: Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)

Indicações para Transplante Hepático

Indicações Absolutas

  • Falência hepática aguda
  • Cirrose descompensada (Child-Pugh ≥7)
  • Carcinoma hepatocelular dentro dos critérios de Milão
  • Doenças metabólicas com manifestação hepática

Indicações Relativas

  • Hipertensão portal com sangramento recorrente
  • Encefalopatia hepática refratária
  • Síndrome hepatopulmonar
  • Qualidade de vida inaceitável

Critérios de Exclusão

  • Infecção ativa não controlada
  • Neoplasia extra-hepática
  • Doença cardiopulmonar grave irreversível
  • Dependência de álcool/drogas ativa

Avaliação Pré-Operatória

História Clínica Completa
Exame Físico Detalhado
Exames Laboratoriais
Avaliação Cardiopulmonar
Avaliação Neurológica

Exames Essenciais

  • Hemograma completo
  • Coagulograma (TAP, TTPA, fibrinogênio)
  • Função renal (ureia, creatinina)
  • Eletrólitos
  • Gasometria arterial
  • Testes de função hepática
  • Ecocardiograma

Escalas de Avaliação

Child-Pugh

A (5-6) B (7-9) C (10-15)

MELD

<15 15-25 >25

Preparo Pré-Operatório

Correção de Coagulopatia

  • Vitamina K (10mg EV)
  • Plasma fresco congelado
  • Crioprecipitado se fibrinogênio <100mg/dL
  • Plaquetas se <50.000/mm³

Manejo de Ascite

  • Paracentese pré-operatória se volumosa
  • Albumina 20% (8g/L removido)
  • Restrição hídrica cuidadosa

Encefalopatia Hepática

  • Lactulose (30ml 6/6h)
  • Rifaximina (550mg 12/12h)
  • Evitar sedativos

Preparo Anestésico

Jejum

  • 6h para sólidos
  • 2h para líquidos claros
  • Considerar risco de aspiração

Pré-Medicação

  • Ranitidina 50mg EV
  • Metoclopramida 10mg EV
  • Sedativos com cautela

Monitorização Intraoperatória

Monitorização Básica

  • ECG contínuo (DII e V5)
  • Pressão arterial invasiva
  • Plethismografia (SpO₂)
  • Capnografia
  • Temperatura (nasofaríngea/vesical)

Monitorização Avançada

  • Cateter venoso central (CVC)
  • Cateter de artéria pulmonar (opcional)
  • Ecocardiografia transesofágica (ETE)
  • Monitorização da coagulação (TEG/ROTEM)
  • BIS para profundidade anestésica

Parâmetros Alvo

Parâmetro Valor Alvo
PAM >65 mmHg
PVC 8-12 mmHg
SatO₂ >95%
Débito urinário >0.5 mL/kg/h
BIS 40-60

Indução Anestésica

Pré-oxigenação (100% O₂ por 3-5 min)
Monitorização Básica + Acesso Venoso
Pré-medicação (Fentanil 1-2μg/kg)
Indução (Propofol 1-2mg/kg ou Etomidato 0.2-0.3mg/kg)
Intubação (Rocurônio 0.6-1mg/kg ou Succinilcolina 1-1.5mg/kg)

Considerações Especiais

  • Redução de doses em pacientes com encefalopatia
  • Cuidado com hipotensão após indução
  • Preparar vasopressores (fenilefrina/noradrenalina)
  • Evitar hipóxia e hipercapnia

Manejo das Vias Aéreas

  • Tubo endotraqueal reforçado (proteção contra mordida)
  • Capnografia essencial
  • Preparar para via aérea difícil (MELD alto, ascite)
  • Posicionamento cuidadoso (risco de sangramento)

Manutenção Anestésica

Agentes Inalatórios

  • Isoflurano ou Sevoflurano (0.8-1.2 CAM)
  • Evitar Halotano (hepatotoxicidade)
  • Monitorar efeitos hemodinâmicos

Opioides

  • Fentanil (1-5μg/kg/h)
  • Remifentanil (0.05-0.2μg/kg/min)
  • Evitar morfina (metabolismo hepático)

Relaxantes Musculares

  • Rocurônio (0.3-0.6mg/kg/h)
  • Cisatracúrio (0.1mg/kg/h)
  • Monitorar com TOF

Monitorização da Profundidade Anestésica

BIS (Bispectral Index)

  • Manter entre 40-60
  • Evitar consciência intraoperatória
  • Otimizar uso de anestésicos

Parâmetros Clínicos

  • Pressão arterial
  • Frequência cardíaca
  • Resposta autonômica
  • Movimento

Fases Cirúrgicas e Desafios Anestésicos

Fase 1: Dissecção

  • Hepatectomia do fígado nativo
  • Risco de sangramento
  • Monitorar coagulação
  • Reposição volêmica cuidadosa

Fase 2: Anepática

  • Clampeamento vascular
  • Instabilidade hemodinâmica
  • Acidose metabólica
  • Hipotermia

Fase 3: Reperfusão

  • Síndrome pós-reperfusão
  • Hipercalemia
  • Hipotensão severa
  • Arritmias

Manejo por Fase

Fase Desafios Intervenções
Dissecção Sangramento, coagulopatia Reposição sanguínea, PFC, plaquetas
Anepática Hipotensão, acidose Vasopressores, bicarbonato
Reperfusão Síndrome pós-reperfusão Calcio, vasopressores, antiarrítmicos

Monitorização Hemodinâmica Avançada

Cateter de Artéria Pulmonar

Monitor

Mede:

  • Pressão capilar pulmonar (PCP)
  • Débito cardíaco (DC)
  • Resistência vascular sistêmica (RVS)
  • Saturação venosa mista (SvO₂)

Ecocardiografia Transesofágica

Echo

Avalia:

  • Função ventricular
  • Volume de enchimento
  • Anomalias valvares
  • Trombos no fluxo venoso

Parâmetros Hemodinâmicos Ideais

Parâmetro Valor Alvo Significado
PAM >65 mmHg Perfusão orgânica adequada
SvO₂ >70% Balanço oferta/consumo O₂
DC 4-8 L/min Débito cardíaco adequado
RVS 800-1200 dyn.s/cm⁵ Resistência vascular adequada

Monitorização da Coagulação

Tromboelastografia (TEG)

  • Avaliação global da hemostasia
  • Tempo de reação (R)
  • Tempo de formação do coágulo (K)
  • Força máxima do coágulo (MA)

ROTEM

  • Similar ao TEG, mas com tecnologia diferente
  • CT (tempo de coagulação)
  • CFT (tempo de formação do coágulo)
  • MCF (força máxima do coágulo)

Interpretação dos Resultados

Parâmetro Valor Normal Alteração Intervenção
R/CT 5-10 min ↑ Deficiência fatores PFC
K/CFT 1-3 min ↑ Deficiência fibrinogênio Crioprecipitado
MA/MCF 50-70 mm ↓ Disfunção plaquetas Plaquetas
LY30 <7.5% ↑ Fibrinólise Ácido tranexâmico

Manejo Hemodinâmico

Objetivos Hemodinâmicos

  • PAM >65 mmHg
  • SvO₂ >70%
  • Débito urinário >0.5 mL/kg/h
  • Lactato <2 mmol/L

Estratégias de Resuscitação

  • Reposição volêmica guiada
  • Vasopressores (Noradrenalina 0.05-0.3μg/kg/min)
  • Inotrópicos se baixo débito (Dobutamina 2-10μg/kg/min)
  • Correção de distúrbios metabólicos

Algoritmo de Manejo Hemodinâmico

Hipotensão?
Avaliar volume (PVC, ETE)
Reposição volêmica (cristaloides/coloides)
Vasopressores (Noradrenalina)
Inotrópicos se baixo débito (Dobutamina)

Reposição Volêmica e Hemoderivados

Cristaloides

  • Ringer lactato (preferencial)
  • Solução fisiológica 0.9% (risco de acidose hiperclorêmica)
  • Evitar sobrecarga (avaliar PVC, ETE)
  • Balanceados (Plasmalyte) podem ser opção

Coloides

  • Albumina 5% (20-25% em ascite refratária)
  • Hidroxietilamido (controvérsias em doença hepática)
  • Gelatinas (risco de coagulopatia)
  • Indicados em hipoalbuminemia grave

Transfusão de Hemoderivados

Produto Indicação Dose Efeito Esperado
Concentrado de hemácias Hb <7-8 g/dL (ou sintomático) 1U eleva Hb ~1g/dL ↑ Capacidade transporte O₂
PFC TAP >1.5x ou sangramento 10-15 mL/kg Correção fatores coagulação
Crioprecipitado Fibrinogênio <100-150 mg/dL 1U/10kg ↑ Fibrinogênio ~50mg/dL
Plaquetas Plaquetas <50.000/mm³ 1U/10kg ↑ Plaquetas ~30.000/mm³

Síndrome Pós-Reperfusão

Fisiopatologia

  • Liberação de mediadores inflamatórios
  • Acidose metabólica
  • Hipercalemia
  • Disfunção miocárdica transitória
  • Vasodilatação sistêmica

Manifestações Clínicas

  • Hipotensão grave (PAM pode cair >30%)
  • Bradicardia/arritmias
  • Hipercalemia
  • Coagulopatia exacerbada
  • Hipotermia

Manejo da Síndrome Pós-Reperfusão

Diagnóstico
Calcio gluconato 10% (10-30mg/kg)
Vasopressores (Noradrenalina)
Inotrópicos se necessário
Bicarbonato se acidose grave (pH<7.2)

Nota: A síndrome geralmente é autolimitada, durando 5-15 minutos. Manter calma e seguir protocolo.

Extubação e Despertar

Critérios para Extubação

  • Paciente acordado e responsivo
  • Capacidade ventilatória adequada
  • Hemodinâmica estável
  • Temperatura >36°C
  • Bom controle da dor
  • Coagulação adequada

Contraindicações para Extubação

  • Encefalopatia hepática grave
  • Hipoxemia refratária
  • Instabilidade hemodinâmica
  • Sangramento ativo significativo
  • Edema de vias aéreas
  • Hipotermia grave

Protocolo FAST HUG

Feeding (nutrição)
Analgesia
Sedation (sedação)
Thromboprophylaxis
Head of bed elevation
Ulcer prevention
Glycemic control

Avaliar todos os itens antes da extubação

Analgesia Pós-Operatória

Opioides

  • Fentanil (0.5-1μg/kg/h)
  • Morfina com cautela (metabolismo hepático)
  • PCA (Patient Controlled Analgesia)
  • Monitorar sedação excessiva

Bloqueio Nervoso

  • Bloqueio TAP (Transversus Abdominis Plane)
  • Bloqueio paravertebral
  • Epidural (controversa em coagulopatia)
  • Considerar ultrassom-guiado

Adjuvantes

  • Paracetamol (4g/dia máximo)
  • Dexametasona (4-8mg EV)
  • Ketamina em infusão (0.1-0.2mg/kg/h)
  • Gabapentina (100-300mg 8/8h)

Escalas de Avaliação da Dor

Escala Visual Analógica (EVA)

0
10

0 = Sem dor; 10 = Pior dor imaginável

Escala Numérica (EN)